quarta-feira, 23 de janeiro de 2013

Nau frágil

A minha sina é de naufrágio,
 fiz de ócio afundar.
A cada golfo, península, nova ilha
reconstruía embarcação,
fiz de ofício o concerto, o reparo.
Tornar novo, não tornava,
Apenas remediava.
Num meio desastre,
afoguei em terra firme:
areal da ilha fria
onde era noite todo dia.
O chão pálido, me acolhia;
o céu de gangrena, moradia
de corpos alados: humanos de cera voavam
com asas roubadas de aves em raridade.
O  vôo torto de rasantes,
a penumbra constante,
perturbava meu trabalho.
A embarcação renascia,
mas estava perdida
uma fatia de barco.
Mergulhei até a pele embranquecer,
até criar brânquias.
Fincado estava o fragmento
no infinito fundo,
feito escalibur de netuno.
Minha força não bastava,
mas antes o sacrifício à tragédia
de quem falta com ofício.
Nas minhas mãos,
o pedaço de barco,
que do mundo de águas,
furou o fundo
e do buraco aberto,
fugiu a luz,
luz tanta que não se estancava.
Peguei o que procurava,
voltei à superfície em disparada
a tempo de ver o dia,
que se construía
derretendo a cera dos seres,
fazendo cair as penas
(já não era preciso penar).
O temporal de pluma
estendeu um tapete de cor,
espalhou-se em mim a certeza de ficar,
de ali me fincar em temporada finita,
minha primeira folga de naufragar.

2 comentários:

Lord Salander disse...

Oi, Mariah, tudo bem? Vi seu blog pela última vez em 2008 (eu nem tinha blog nessa época, tinha?), vejo que manteve sua escrita metafórica ao extremo. Texto bonito de se ler, gosto da estética descrita, ainda que ache difícil de captar o real sentido estando por fora do que acontece no seu cotidiano que, estando por fora, entendi como batalhador. Um desabafo velado? bj :*

Unknown disse...

Possui uma estética original, nunca li nada parecido. Não se trata de um poema que retrata um momento da vida do poeta com palavras conhecidas, mas de um momento sublime de um ser e seu ofício. Serve para refletir até onde pode chegar a poesia.