quinta-feira, 29 de julho de 2010

Resto


Valho menos que
O vinho que percorre
Toda a taça para vir me habitar a boca.
Boca feita de pele crua,
Tão repleta de dentes,
Tão pouco poética,
Quanto o resto de mim,
Quanto o resto que sou agora.

Valho bem menos que
As rimas fáceis, solitárias
Que saem das minhas mãos
Ridiculamente minúsculas e fracas.

Valho bem menos que os pesadelos
Que me despertam na madrugada.
E menos ainda que as lágrimas,
Que ardem em meio à insônia
Dessa madrugada despertada.
Lágrimas rasas,
Submetidas ao cárcere dos meus olhos.

Valho menos que
Esse vento que me corta a cara
Em meio ao instante intermediário:
Nem tarde, nem noite.

Valho mais que
O amontoado de sonhos mortos
Que pesam no dorso da minha alma.
Valho mais. Valho mais,
Pois tenho a coragem e a dor
De quem asfixia os próprios sonhos,
A coragem e a dor
De quem sabota a própria tranqüilidade.